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Arte indígena de Rondônia é exaltada durante vernissage em São Paulo

Publicado Afotorm - 02/09/2015


Foto: Assessoria

rolim-de-moura

Jarro criado pela índia Uleyalu Mehinako,

no museu A Casa

Na abertura de uma mostra de cerâmica, convidados tagarelavam, tacinhas de espumante em punho, sobre a estrela da noite. Katiane Surui, uma das artistas com obras no museu A Casa, centro de design em São Paulo, é uma índia de Rondônia descrita ali como "coisinha fofinha, que mal consegue abrir a boca".

Isolada do burburinho, no andar de cima do museu, Surui tentava vender algumas peças de sua tribo em pleno vernissage, um pouco acuada com o agito daquela noite, há três semanas. Sua presença tímida, no entanto, contrasta com a força que o artesanato e a visão de mundo dos índios têm agora na arte do país.

"Está surgindo um reconhecimento desses elementos fundadores da nossa identidade", diz Adélia Borges, que organizou a mostra em cartaz até outubro. "Os fluxos culturais antes vinham do norte para o sul do mundo em pacotes fechados, mas agora esses movimentos são múltiplos. Está começando a haver um orgulho de quem somos nós."


No caso, um orgulho que não se desprende de certo modismo. Enquanto ceramistas que podem nunca ter pisado numa aldeia "piram", nas palavras de Borges, com o artesanato indígena, artistas visuais e até designers de videogames vêm descobrindo uma nova estética nesse universo que antes passava longe da arte contemporânea.

"Parece que a força indígena se espalhou", diz Ernesto Neto, um dos artistas mais famosos do país, que vem realizando rituais com índios em museus de São Paulo e da Europa. "A voz dos índios é a voz da floresta. Eles trazem uma força serena, um canto profundo, uma dança coletiva."

Neto tentou mostrar parte dessa dança levando uma cerimônia dos huni kuin, tribo que vive no Acre, ao Instituto Tomie Ohtake no ano passado. Era uma performance da mostra "Histórias Mestiças", organizada por Adriano Pedrosa, diretor artístico do Masp, e pela antropóloga Lilia Moritz Schwarcz, agora também na equipe do museu.

Dentro de uma tenda montada na galeria, umas 20 pessoas, entre elas o artista e o pajé Yawa Bane, tomaram ayahuasca, o chá alucinógeno feito pelos índios, também usado no Santo Daime.

Na mesma exposição, a artista Adriana Varejão mostrou autorretratos em que aparecia com o rosto coberto de padrões da pintura corporal dos índios ianomâmi e Paulo Nazareth, artista que pediu para ser batizado como membro da tribo pelos guarani-caiová do Mato Grosso do Sul, exibiu fotografias em que se retrata como branco, negro e índio.

"Isso tem a ver com uma tentativa de recuperar várias origens, vários nascimentos, vários Brasis", diz Moritz Schwarcz sobre a atenção dada aos índios por artistas contemporâneos. "Não temos mais uma história só europeia. Há várias histórias. Mas o grande perigo é passar a perder o pé e tornar exótica essa cultura."

SONIC DA FLORESTA

Exótica ou não, uma das apropriações mais inusitadas da cultura indígena é a transposição das histórias e mitos dos huni kuin –os mesmos índios de Neto– para um videogame. O antropólogo Guilherme Meneses, que estudou a tribo no Acre, acaba de lançar na mostra "Rumos", agora em cartaz no Itaú Cultural, uma primeira leva desses jogos.

Lembrando clássicos como "Sonic" e "Super Mario World", Meneses trocou o porco-espinho e o encanador italiano por um indiozinho, dividindo a narrativa entre o plano terreno e o espiritual, de acordo com crenças da tribo.

"Suas histórias são fantásticas, e o videogame é uma ferramenta para veicular essas mensagens. Há espíritos, seres da floresta", diz Meneses.

"Minha ideia era que as pessoas pudessem rever seus preconceitos, respeitar os povos indígenas e reconhecer o valor de seu modo de vida, espiritualidade e cultura."

No design, Marcelo Rosenbaum também trabalhou de perto com a mesma tribo para criar uma linha de luminárias. "O Brasil já existia antes de 1500", diz o designer. "Esse é o momento de reconhecer isso. Não acredito em tendência, mas em comportamento. Há muitos designers olhando para a mesma coisa."

 

Fonte: Jornal Folha de S. Paulo - terça-feira 01/09/15